Roanirock
O que parecia ser uma idéia louca comprada por outros determinados a cometer loucuras virou a mais séria mobilização do underground nacional na história para de uma vez por todas mostrar que o Rock ainda tem seu lugar e bastante demanda, inclusive na terra do funk e do samba.
No último fim de semana, um dia após o “Dia do Rock” celebrado unicamente no Brasil, no domingo 14 de julho, ocorreu no rio de janeiro a primeira edição do festival “100 bandas na Rua Ceará”. Mas antes de falar sobre esse verdadeiro “evento”, na melhor definição da palavra, temos que falar da revitalização da Rua Ceará situada na praça da bandeira que foi determinante para viabilizar o festival.
A ideia do festival foi jogada no ar pelo dono do Heavy Beer, Markus Roza. Este foi um dos espaços a receber o rock na cidade logo após o fim da pandemia da Covid e como um recomeço para a casa principal. O Heavy Beer é como se fosse o filho do Heavy Duty do Zeca Urubu, uma figura icônica pra quem frequentava o local nos amos 90 a 2000. Essa casa fechou em 2019 e o Heavy Beer apareceu já nos anos de 2020 como uma das melhores formas da Rua Ceará voltar a ser um point cultural, abraçando as bandas de rock que buscavam um local para tocar. Este lugar se organizou e montou três palcos para o festival das 100 bandas. Um ao ar livre, um dentro do bar (palco principal) e um nos fundos.
Aliada ao heavy Beer está o queridíssimo e mitológico Garage. Essa casa que recebeu os primeiros shows do Planet Hemp e também de outros grupos como Ratos de Porão, Matanza, Los Hermanos, Autoramas, dentre tantas bandas conhecidas e veneradas até hoje, não poderia ficar de fora. O local que agora recebe o nome de Garage Grindhouse, no último ano recebeu um verdadeiro apoio coletivo e hoje dá pra dizer que é a maior referência da rua Ceará. Este palco recebeu a curadoria das produtoras Hobbit e Zimbabue.
Agora é dado o momento de falar dessa figura central para tudo ficar coordenado e organizado em meio ao caos, André Paumgartten. Já falei sobre ele no evento em homenagem ao Black Sabbath, mas é necessário dizer que assim como naquela ocasião – em proporções ainda maiores -, este ser irriquieto soube agitar e mobilizar o maior número de pessoas e bandas a abraçarem a idéia. Com a chegada dele o bar Duck Walk também abriu suas portas e recebeu bandas como Tha Mello, Peyote e Dedo de Bruxa, colocadas neste local através da curadoria de Roberta Loureiro da Roblow.
Não poderia deixar de mencionar o “O Pecado Mora ao Lado”, um bar com o nome mais sujestivo possível não ficava colado aos demais palcos, ficava na parte de trás, mas mesmo assim não deixou de receber público e bandas. Esta casa pode ser considerada a que mais resistiu mediante a queda da popularidade do rock, pandemia e várias enfermidades. É um bar que é uma casa, onde de dia abriga diversos gatos e a noite recebe a maior diversidade possível de bandas, do blues ao metal.
Foram muitas pessoas e mobilizações com mais de um mês de antecedência. O alicerce para o marketing ficou a cargo de Robson Alvez, dono da página Agenda Rock RJ, que tem como principal função orientar o carioca aonde está tendo eventos de rock em todo o estado durante as semanas. Através dele e de uma excelente assessoria chegaram a ter o evento divulgado pelos principais veículos mídia do país. Alguns deles adotando uma forma errada como falar que as bandas independentes eram “não famosas” e que um dos maiores destaques dentre as bandas conhecidas em meio a tantos outras nacionais foi uma Argentina. O que terminou servindo de combustível para os “Quase Famosos” darem a vida nos palcos.
Rob possibiltou que existisse uma coordenação de bandas, ele através de uma ferramenta do whatsapp, soltava alertas 15 minutos antes de cada banda subir ao palco. E graças a ele todos podiam se organizar pra ver os shows mesmo que estes estivessem atrasos devido a uma dificuldade de botar pra rolar os pas e equalizações com a melhor qualidade com os equipamentos que tinham a disposição. Vale lembrar que em palcos como o Bonde Music teve que ser na base da “guerrilha” e que não teve nenhum apoio público, foi tudo feito no melhor estilo “do it yourself”. Mas que de forma alguma influenciou negativamente a presença das pessoas nos shows. E ao meu ver, elas que fizeram o evento ser tão visceral e autêntico. Merecedor de estar nos livros de história.
Pela minha ótica, a de quem tocou no evento e que pôde apreciar incontáveis shows em diversos palcos, foi como estar no Woodstock. Não por uma questão de excessos de drogas ou da própria música, mas assim como é passado no documentário icônico da primeira edição do festival de 1969, o “cem bandas” trazia um ar de paz e solidariedade para quem foi prestigiar. Pessoas de diversas tribos, cores de pele e idades dividindo o mesmo ambiente em uma igual sintonia. “Cada um no seu quadrado”, mas sem sentir o “calo pisado” quando um “diferente” invadia para por exemplo bater cabeça no heavy Beer.
Eu toquei no palco Bonde que era na rua, neste pude falar como um defensor de música autoral aos fã do “rock antigo” que eles poderiam dar chance ao novo. Estes receberam descrentes a orientação mas seguiram nos palcos autorais. Foram inúmeras as situações amistosas que presenciei e de fato o que pairava no ar a todo momento era a união.
Bom frizar, que para um evento gratuito os bares cederam seus banheiros, tentaram ao máximo prestar o melhor atendimento possível com barman depois de tocar ao invés de descansar voltar ao batente com um sorriso no rosto ao distribuir bebidas. Ambulantes também começaram a aparecer e no final da tarde e início da noite já tinham um bom número de trabalhadores podendo lucrar com um trabalho honesto. Outra coisa bem legal foi o fato de que por conta da rua não ter recebido autorização para fechar, o público presente respeitou de forma digna e respeitosa a passagem de ônibus e carros que precisavam passar pela rua Ceará. Tá certo que sobindo em um dos blusões temáticos para fazer a festa também.
Produtores e bandas fizeram história e certamente o evento merece receber outras edições. Aqui, essa galera mostrou que o rock dá pra ser levado a sério, que o rock tem demanda e que pode ser organizado. Quem foi e fez parte ainda está em estade de êxtase e a impressão que ficou é de que isso é um começo para algo ainda maior e que assim seja. Com maior estrutura que foi a única coisa que faltou.