roanirock
Se há algo que o tempo nos mostra no rock ‘and’ roll é que as feridas podem ser fechadas quantas vezes forem necessárias para o rock continuar rolando. O Black Crowes traz em seu décimo álbum de inéditas a nostalgia que seus fãs precisavam no ponto certo e mantém a audaciosa marca de que “nunca lançaram um álbum ruim”.
Roani RockConfira mais reviews de rock:Soen – MemorialManeskin – Rush!Green Day – Saviors Liam Gallagher & John SquireThe Rolling Stones – Hackney Diamonds
Gravadora: Silver Arrow RecordsData de lançamento: 15/03/2024
Gênero: Southern RockPaís: EUA
Antes de escrever essa matéria, após mergulhar profundamente na audição de Happines Bastards (2024), terminei me deparando com um registro em vídeo da banda de Atlanta em 1987, quando eles eram conhecidos no underground pelo nome de Mr. Crowe’s Garden. Isso me deu um insight de estar presenciando não só uma volta após 15 anos sem um lançamento original. Na verdade, encontramos no novo disco uma celebração de quase 40 anos de rock ‘and’ roll, repleto de uma tortuosa estrada com brigas de egos inflados familiares, fins e recomeços de ciclos com muita gente boa, mas que termina sendo traduzido em Chris e Rich Robinson.
Foram 4 anos sem se falar segundo o irmão mais novo e vocalista do grupo, mas desde que os Robinsons fizeram as pazes em 2019 e voltaram a tocar juntos, com o lançamento de um álbum de releituras de músicas dos anos 70 e feito uma tour só tocando o avassalador primeiro disco Shake a Money Maker, pairava na minha cabeça o questionamento “e o álbum de inéditas?”. Entenda, não se tratava de uma pergunta do tipo “por quê não lançam” e sim um “quando vão lançar um álbum novo de inéditas?”. Bom, essa dúvida foi sanada em 15 de março e para entender toda a extensão do recente renascimento dos Black Crowes é preciso voltar a 2014, quando eles completaram o que Chris chamou em entrevista para o The Sun de turnê de “obrigação contratual”.
Depois de estarem juntos desde a adolescência (além do hiato entre 2002 e 2005), era hora dos irmãos seguirem caminhos separados, possivelmente para sempre. Todavia, a reaproximação dos irmãos veio por conta de um fator muito triste e relevante que foi o suicídio de Neal Casal, que foi o guitarrista do projeto hippie/cósmico de Chris, o Chris Robinson Brotherhood. Ele faleceu no dia 26 de agosto mas a intensidade da relação rendeu 12 discos de estúdio lançados de 2012 até Servants of the Sun de 2019.
Nesse tempo, mal se falava em Black Crowes e Chris parecia realizado ao fazer suas coisas viajantes ala Greatful Dead com músicas de 5 min pra frente. Já seu irmão Rich estava experimentando fazer uma banda com a mesma sonoridade dos corvos, o Magpie Salute em 2016, mas antes disso, num ritmo menos frenético que o do irmão, lançou sua carreira solo que contemplou 3 discos de estúdio, alguns singles e mais dois ao vivo, com destaque para The Ceaseless Sight de 2014.
Como Chris estava saindo da fossa da morte do amigo e Rich viu seus projetos estagnarem, eles resolveram seus problemas internos após um encontro em um hall de hotel inesperado e voltaram a tocar juntos. Se inicialmente por dinheiro (como insinuou o ex-batera do Black Crowes, Steve Gorman), agora parece que voltaram a tomar gosto de dividir os palcos novamente, até porque a procura por shows do Black Crowes é grande. Finalizada a tour de 30 anos do Shake a Money Maker, veio a notícia do primeiro single após longos 15 anos sem novidades e foi um verdadeiro boom.
O nome do single Wanting and Wating, foi sugestivo. Já o nome do álbum, Happines Bastards, que foi divulgado junto a nova música fez tudo ter sentido. Arrepia os pelos e nervos, o terreno estava sendo preparado para um salão de festa cheio de luzes e bebidas, com amplificadores até o talo proporcionando a diversão. Happiness Bastards serve como uma explosão crua e refrescante em um momento em que o pop polido domina o pensamento das grandes gravadoras… e as ondas de rádio. A banda de Atlanta, que agora tem um dos irmãos morando em Los Angeles e o outro no Tennessee, traz de volta o soul, o country e o hard rock sulista que os destacou na década de 90 de forma “humana” sabendo do desafio de lutar contra o digital que deixa tudo perfeitinho.
Lançado pelo selo Silver Arrow Records, o álbum dito por Chris como “a carta de amor do Black Crowes ao rock n’ roll”, inicia um recomeço calcado na tradição de fazer as coisas ao vivo e a cores, com uma nova formação, que os irmãos colocaram como “dedicada apenas ao Crowes”. Além dos Robinsons e do baixista de longa data Sven Pipien, o bando dos corvos negros é completado pelo guitarrista Nico Bereciartua e pelo baterista Brian Griffin. Completam o time os backing vocals de Vicki Hampton, Joanna Cotton (do Cry of Love, Lynyrd Skynyrd e a atual baixista da Sheryl Crow) e Robert Kearns (que chegou até a banda por conta do guitarrista Audley Freed). O produtor premiadíssimo com inúmeros grammys Jay Joyce cuidou a produção e de fazer “guitarras e teclados adicionais”.
Em suma temos o “mais do mesmo”, só que isso é bem gostoso em se tratando de Black Crowes. A primeira faixa, Badside Manners, parece ter vindo direto do By Your Side de 1999. Em seguida, a formula que dá certo, mais uma música rock com Rats and Clowns e uma potente faixa, a surpreendente Cross Your Fingers trazendo um diferencial mediante ao resto com uma intro acústica e depois um riff grosseiro nos levando a balançar com o funk. O single/hit Wanting and Wanted pega o embalo pra fazer todo mundo dançar, nos levando a nostálgica sensação de estar ouvindo o Shake Your Money Maker pela primeira vez.
Continuando a apreciação, há baladas ricamente atmosféricas. Wilted Rose, um dueto com a emergente estrela country Lainey Wilson, que está na crista da onda nos “states”, traz o primeiro artista convidado co-creditado em uma faixa do Black Crowes, nos levando até ao Amorica. A outra balada milagrosa que poderia pertencer ao terceiro disco do grupo de Atlanta é a faixa final, Kindred Friend, que tem inspirações gospel. É uma balada conduzida por um lindo violão, piano, gaita e cordas, tendo um significado especial.
Tudo soa estelar, a banda está em boa forma e os irmãos parecem ser conduzidos pela experiência. Chris segue destemido e convicto de ser o melhor frontman de sua geração e Rich traz os arranjos mais ricos da música sulista, os melhores slides alucinantes da musica folk e pop, com os bends mais precisos em distorção hard rocker. As letras ainda são divertidas quando tem que divertir como em Flesh Wound, sacanas quando querem cuspir em alguém como em Rats and Clown e Dirty Cold Sun. Isso sem contar a gaita de Chris no blues rock Bleed It Dry e na já comentada faixa final, sempre trazendo aquele brilho dilacerador, tão lindo e necessário da harmônica.
Nota Final: 10/10